Página 528 - Patriarcas e Profetas (2007)

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Patriarcas e Profetas
de mulher destituída de filhos como prova do desagrado do Senhor.
Isto se repetia de ano em ano, até que Ana não mais o pôde supor-
tar. Incapaz de ocultar sua mágoa, chorou sem constrangimento, e
retirou-se da festa. Seu marido em vão a procurou consolar. “Por
que choras? e por que não comes? e por que está mal o teu coração?”
disse ele; “não te sou eu melhor do que dez filhos?”
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Ana não proferiu censura alguma. O fardo que ela não podia
repartir com amigo algum terrestre, lançou-o sobre Deus. Ansiosa-
mente rogou que lhe tirasse a ignomínia, e lhe concedesse o precioso
dom de um filho para o criar e educar para Ele. E fez um voto so-
lene de que, se seu pedido fosse satisfeito, dedicaria o filho a Deus,
mesmo desde o seu nascimento. Ana tinha-se aproximado da en-
trada do tabernáculo, e na angústia de seu espírito “orou, e chorou
abundantemente”. Contudo, entretinha em silêncio comunhão com
Deus, não proferindo nenhuma palavra. Naqueles tempos ruins, tais
cenas de adoração eram raramente testemunhadas. Festins irreveren-
tes, e mesmo embriaguez, eram coisas comuns, mesmo nas festas
religiosas; e Eli, o sumo sacerdote, observando Ana, supôs que esti-
vesse dominada pelo vinho. Julgando administrar uma repreensão
merecida, disse com severidade: “Até quando estarás tu embriagada?
Aparta de ti o teu vinho.”
Condoída e surpresa, Ana respondeu brandamente: “Não, senhor
meu, eu sou uma mulher atribulada de espírito; nem vinho nem
bebida forte tenho bebido, porém tenho derramado a minha alma
perante o Senhor. Não tenhas, pois, a tua serva por filha de Belial;
porque da multidão dos meus cuidados e do meu desgosto tenho
falado até agora.”
O sumo sacerdote ficou profundamente comovido, pois era ho-
mem de Deus; e em lugar de repreensão proferiu uma bênção: “Vai
em paz; e o Deus de Israel te conceda a tua petição que Lhe pediste.”
A oração de Ana foi atendida; recebeu a dádiva que tão fervoro-
samente havia rogado. Olhando para o filho, chamou-o Samuel —
“pedido a Deus”.
1 Samuel 1:8, 10, 14-16, 20
. Logo que o pequeno
teve idade suficiente para separar-se de sua mãe, ela cumpriu seu
voto. Amava o filho com toda a devoção de um coração de mãe; dia
após dia, observando suas faculdades que se expandiam, e ouvindo
seu balbuciar infantil, cingia-o mais estreitamente em suas afeições.
Era seu único filho, uma dádiva especial do Céu; mas recebera-o