Os nobres da França
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senhoriais do castelo e do palácio, houve almas régias por quem
a verdade era mais apreciada do que a riqueza, posição social ou
mesmo a vida. As armaduras reais ocultavam espírito mais sobran-
ceiro e resoluto do que o faziam as vestes e a mitra do bispo. Luís
de Berquin era de nascimento nobre, cavalheiro bravo e cortês, de-
dicado ao estudo, polido nas maneiras, e de moral irrepreensível.
“Ele era”, diz certo escritor, “fiel seguidor das ordenanças papais, e
grande ouvinte de missas e sermões, ... e, a coroar todas as demais
virtudes, tinha pelo luteranismo aversão especial.” Mas, semelhante
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a tantos outros, guiado providencialmente à Escritura, maravilhou-se
de encontrar ali, “não as doutrinas de Roma mas as de Lutero.” —
Wylie. Desde então se entregou com devotamento completo à causa
do evangelho.
“Como o mais douto dos nobres da França”, seu gênio e eloqüên-
cia, sua coragem indomável e heróico zelo, assim como sua influên-
cia na corte — pois era favorito do rei — faziam com que fosse
considerado por muitos como destinado a ser o reformador de seu
país. Disse Beza: “Berquin teria sido um segundo Lutero, caso hou-
vesse encontrado em Francisco I um segundo eleitor.” “É pior do
que Lutero”, exclamavam os romanistas. Mais temido era ele, na
verdade, pelos romanistas da França. Arrojaram-no à prisão como
herege, mas foi posto em liberdade pelo rei. Durante anos manteve a
luta. Francisco claudicando entre Roma e a Reforma, alternadamente
tolerava e restringia o zelo feroz dos monges. Berquin foi três vezes
preso pelas autoridades papais, apenas para ser liberto pelo monarca
que, admirando-lhe o gênio e nobreza de caráter, recusou sacrificá-lo
à maldade do clero.
Foi Berquin repetidas vezes avisado do perigo que o ameaçava
na França, e com ele instou-se para que seguisse os passos dos
que haviam encontrado segurança no exílio voluntário. O tímido
Erasmo, subserviente às circunstâncias de seu tempo, e a quem, com
todo o esplendor de sua erudição, faltava aquela grandeza moral
que mantém a vida e a honra a serviço da verdade, escreveu a
Berquin: “Pede para seres enviado como embaixador a algum país
estrangeiro; vai viajar na Alemanha. Conheces Beda e outros como
ele; é um monstro de mil cabeças, lançando veneno por todos os
lados. Teus inimigos se contam por legiões. Fosse a tua causa melhor
do que a de Jesus Cristo, e não te deixariam ir antes de te haverem