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O Grande Conflito
reinado do terror.” — História da Reforma no Tempo de Calvino, de
D’Aubigné.
As vítimas foram mortas com tortura cruel, sendo ordenado es-
pecialmente que o fogo fosse abaixado, a fim de prolongar-lhes a
agonia. Morreram, porém, como vencedores. Sua constância foi
inabalável, imperturbada sua paz. Os perseguidores, impotentes para
abalar-lhes a inflexível firmeza, sentiram-se derrotados. “Os cadafal-
sos foram distribuídos por todos os bairros de Paris, e as fogueiras
arderam durante dias sucessivos, no intuito de, espalhando as exe-
cuções, espalhar o terror da heresia. A vantagem, entretanto, ficou
afinal com o evangelho. Toda Paris habilitou-se a ver que espécie de
homens as novas opiniões produziram. Não havia púlpito como a
fogueira do mártir. A serena alegria que iluminava o rosto daqueles
homens, ao se encaminharem ... para o lugar da execução; seu he-
roísmo, estando eles entre as chamas atrozes; seu meigo perdão às
injúrias, em não poucos casos transformavam a cólera em piedade e
o ódio em amor, pleiteando com irresistível eloqüência em prol do
evangelho.” — Wylie.
Os padres, dispostos a conservar em seu auge a fúria popular,
faziam circular as mais terríveis acusações contra os protestantes.
Eram acusados de conspirar para o massacre dos católicos, subverter
o governo e assassinar o rei. Nem uma sombra sequer de provas
podiam aduzir em apoio das alegações. No entanto, aquelas profe-
cias de males deveriam ter cumprimento; sob circunstâncias, porém,
muito diversas e por causas de caráter oposto. As crueldades que
foram pelos católicos infligidas aos inocentes protestantes, acumula-
ram um peso de retribuições e, séculos depois, ocasionaram a mesma
sorte que eles haviam predito estar iminente sobre o rei, seu governo
e seus súditos; mas produziram-na os incrédulos e os próprios ro-
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manistas. Não foi o estabelecimento do protestantismo, mas sim a
sua supressão que, trezentos anos mais tarde, deveria trazer sobre a
França essas horrendas calamidades.
Suspeita, desconfiança e terror invadiam agora todas as classes
da sociedade. Entre o alarma geral, viu-se quão profundamente o
ensino luterano se havia apoderado do espírito dos homens que mais
se distinguiam pela educação, influência e excelência de caráter.
Cargos de confiança e honra foram subitamente encontrados vagos.
Artífices, impressores, estudantes, professores das universidades, au-