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O Grande Conflito
de vida. Atravessou os Países Baixos e a Alemanha do norte, tra-
balhando principalmente entre as classes mais humildes, mas exer-
cendo vasta influência. Eloqüente por natureza, posto que possuísse
limitada educação, era homem de integridade inabalável, espírito
humilde e maneiras gentis, e de uma piedade sincera e fervorosa,
exemplificando na própria vida os preceitos que ensinava, e reco-
mendando-se à confiança do povo. Seus seguidores estavam esparsos
e eram oprimidos. Sofriam grandemente por serem confundidos com
os fanáticos adeptos de Münster. Não obstante, grande número se
converteu pelos seus labores.
Em parte alguma foram as doutrinas reformadas mais geralmente
recebidas do que nos Países Baixos. Em poucos países suportaram
seus adeptos mais terríveis perseguições. Na Alemanha, Carlos V
havia condenado a Reforma, e com prazer teria levado à tortura
todos os seus partidários; mas os príncipes mantiveram-se como
uma barreira contra sua tirania. Nos Países Baixos seu poder foi
maior, e editos perseguidores seguiam-se uns aos outros em rápida
sucessão. Ler a Bíblia, ouvi-la ou pregá-la, ou mesmo falar a respeito
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dela, era incorrer na pena de morte pela tortura. Orar a Deus em
secreto, deixar de curvar-se perante as imagens, ou cantar um salmo,
eram também puníveis de morte. Mesmo os que renunciassem seus
erros, eram condenados, sendo homens, a morrer pela espada; e
sendo mulheres, a ser enterradas vivas. Milhares pereceram sob o
reinado de Carlos e de Filipe II.
Certa ocasião uma família inteira foi levada perante os inquisi-
dores, acusada de não assistir à missa, e de fazer culto em casa. Ao
serem examinados quanto às suas práticas particulares, respondeu
o filho mais moço: “Pomo-nos de joelhos, e oramos para que Deus
nos ilumine a mente e perdoe os pecados; oramos pelo nosso sobe-
rano, para que seu reino seja próspero e sua vida feliz; oramos pelos
nossos magistrados, para que Deus os guarde.” — Wylie. Alguns
dos juízes ficaram profundamente comovidos; no entanto, o pai e
um dos filhos foram condenados à fogueira.
A cólera dos perseguidores igualava-se à fé que tinham os márti-
res. Não somente homens, mas delicadas senhoras e moças ostenta-
vam coragem inflexível. “Esposas tomavam lugar junto aos suplícios
de seus maridos e, enquanto estes suportavam o fogo, elas balbucia-
vam palavras de consolação, ou cantavam salmos para animá-los.”