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O Grande Conflito
Rei, clero e nobreza foram obrigados a submeter-se às atrocida-
des do povo excitado e enlouquecido, cuja sede de vingança subiu
de ponto com a execução do rei; e os que haviam decretado sua
morte logo o seguiram no cadafalso. Foi ordenado um morticínio
geral de todos os que eram suspeitos de hostilizar a Revolução. As
prisões estavam repletas, contendo em certa ocasião mais de du-
zentos mil prisioneiros. Multiplicavam-se nas cidades do reino as
cenas de horror. Um partido dos revolucionários era contra outro, e
a França tornou-se um vasto campo de massas contendoras, domi-
nadas pela fúria das paixões. “Em Paris, tumulto sucedia a tumulto,
e os cidadãos estavam divididos numa mistura de facções, que não
pareciam visar coisa alguma a não ser a exterminação mútua.” E
para aumentar a miséria geral, a nação envolveu-se em prolongada
e devastadora guerra com as grandes potências da Europa. “O país
estava quase falido, o exército a clamar pelos pagamentos em atraso,
os parisienses passando fome, as províncias assoladas pelos ladrões,
e a civilização quase extinta em anarquia e licenciosidade.”
Muito bem havia o povo aprendido as lições de crueldade e
tortura que Roma tão diligentemente ensinara. Chegara finalmente
o dia da retribuição. Não eram mais os discípulos de Jesus que se
arrojavam nas masmorras e arrastavam à tortura. Havia muito tempo
que esses tinham perecido, ou sido expulsos para o exílio. Roma,
sentia agora o poder mortífero daqueles a quem havia ensinado a
deleitar-se nas práticas sanguinárias. “O exemplo de perseguição
que o clero da França por tantos séculos dera abertamente, achava-se
agora revertido contra ele mesmo com assinalado vigor. Os cadafal-
sos estavam tintos do sangue dos sacerdotes. As galés e prisões, que
em outro tempo se povoaram de huguenotes, estavam agora repletas
de seus perseguidores. Acorrentados ao banco ou labutando com os
remos, o clero católico romano experimentou todas as desgraças que
sua igreja tão livremente infligira aos benignos hereges.”
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“Vieram então os dias em que o mais bárbaro dos códigos foi
posto em vigor pelo mais bárbaro dos tribunais; em que ninguém
poderia saudar os vizinhos ou fazer orações ... sem perigo de co-
meter um crime capital; em que espias se emboscavam de todos os
lados; em que todas as manhãs a guilhotina funcionava em trabalho
rápido e prolongado; em que as cadeias estavam tão cheias como
um porão de navio de escravos; em que, nas sarjetas, o sangue cor-