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O Grande Conflito
a luz no lugar de sua infância. Já se haviam recebido notícias do que
se passava em Meaux, e a verdade, por ele ensinada com destemido
zelo, atraía ouvintes. Levantaram-se logo as autoridades para fazê-lo
silenciar, sendo ele banido da cidade. Posto que não mais pudesse
trabalhar publicamente, atravessou as planícies e aldeias, ensinando
nas casas particulares, nos prados isolados, encontrando abrigo nas
florestas e entre as cavernas rochosas que haviam sido sua guarida
nos tempos de rapaz. Deus o estava preparando para maiores provas.
“Não têm faltado as cruzes, perseguições e maquinações de Satanás,
de que eu estava prevenido”, disse ele; “são mesmo muito mais
atrozes do que poderia suportar por mim mesmo; mas Deus é meu
Pai; Ele me proveu e sempre há de prover-me da força que peço.” —
D’Aubigné.
Como nos dias dos apóstolos, a perseguição contribuíra “para
maior proveito do evangelho.”
Filipenses 1:12
. Expulsos de Paris e
Meaux, “os que andavam dispersos iam por toda a parte, anunciando
a Palavra.”
Atos 8:4
. E assim a luz teve acesso a muitas das afastadas
províncias da França.
Deus estava ainda a preparar obreiros para ampliar a Sua causa.
Em uma das escolas de Paris havia um jovem refletido, quieto,
e que dava mostras de espírito robusto e penetrante, e não menos
notável pela correção de vida do que pelo ardor intelectual e devoção
religiosa. Seu gênio e aplicação logo o fizeram o orgulho do colégio,
e tinha-se como certo que João Calvino seria um dos mais hábeis e
honrados defensores da igreja. Mas um raio de luz divina penetrou
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até ao próprio interior das paredes do escolasticismo e superstição
em que se achava Calvino encerrado. Estremeceu ao ouvir das novas
doutrinas, nada duvidando de que os hereges merecessem o fogo
a que eram entregues. Contudo, sem disso se dar conta, foi posto
face a face com a heresia, e obrigado a submeter à prova o poder da
teologia romana no combate ao ensino protestante.
Estava em Paris um primo de Calvino, que se havia unido aos re-
formadores. Os dois parentes muitas vezes se encontravam, e juntos
discutiam as questões que estavam perturbando a cristandade. “Não
há senão duas espécies de religiões no mundo”, dizia o protestante
Olivetan. “Uma é a espécie de religiões que os homens inventaram,
e em todas as quais o homem se salva por cerimônias e boas obras;