Os nobres da França
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a outra é a religião que está revelada na Escritura Sagrada e ensina o
homem a esperar pela salvação unicamente da livre graça de Deus.”
“Não quero nenhuma das tuas novas doutrinas”, exclamou Cal-
vino; “achas que tenho vivido em erro todos os meus dias?” —
Wylie.
No espírito, porém, haviam-se-lhe despertado pensamentos de
que se não podia livrar de todo. Sozinho em seu quarto, ponderava as
palavras do primo. Não o deixara a convicção do pecado; via-se sem
intercessor, na presença de um santo e justo Juiz. A mediação dos
santos, as boas obras, as cerimônias da Igreja, tudo era impotente
para expiar o pecado. Nada via diante de si, além do negror do
desespero eterno. Em vão os doutores da igreja se esforçavam por
aliviar-lhe a infelicidade. Em vão recorria à confissão e penitência;
estas não podiam reconciliar a alma com Deus.
Enquanto ainda se empenhava nessas lutas infrutíferas, Calvino,
visitando casualmente uma das praças públicas, testemunhou ali a
queima de um herege. Ficou deveras maravilhado ante a expressão
de paz que se esboçava no semblante do mártir. Entre as torturas
daquela morte cruel, e sob a mais terrível condenação da igreja,
manifestou uma fé e coragem que o jovem estudante dolorosamente
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contrastou com o seu próprio desespero e escuridão, embora vivesse
em estrita obediência à igreja. Na Bíblia, sabia ele, fundamentavam
os hereges a sua fé. Resolveu estudá-la e descobrir, se o pudesse, o
segredo da alegria deles.
Na Bíblia achou a Cristo. “Ó Pai”, exclamou ele, “Seu sacrifício
apaziguou Tua ira; Seu sangue lavou minhas impurezas; Sua cruz
arrostou minha maldição; Sua morte fez expiação por mim. Imagi-
namos para nós muitas tolices inúteis, mas Tu colocaste Tua Palavra
diante de mim como uma tocha, e tocaste-me o coração, a fim de
que eu abominasse todos os outros méritos, com exceção dos de
Jesus.” — Martyn.
Calvino tinha sido educado para o sacerdócio. Quando contava
apenas doze anos de idade, foi designado para o cargo de capelão de
pequena igreja, sendo-lhe pelo bispo tonsurada a cabeça, de acordo
com o cânon da igreja. Não recebeu consagração, nem cumpria os
deveres de sacerdote, mas tornou-se membro do clero, mantendo o
título de seu ofício e recebendo um estipêndio em consideração ao
mesmo.