A Escritura Sagrada e a Revolução Francesa
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na anarquia e ruína. Sob o domínio de Roma, porém, o povo tinha
perdido as benditas lições do Salvador acerca do sacrifício e amor
abnegado. Tinham sido afastados da prática da abnegação em favor
dos outros. Os ricos não haviam recebido repreensão alguma por
sua opressão aos pobres; estes, nenhum auxílio pela sua servidão e
degradação. O egoísmo dos abastados e poderosos se tornou mais é
mais visível e opressivo. A cobiça e a dissolução dos nobres, durante
séculos, tiveram como resultado a esmagadora extorsão para com os
camponeses. Os ricos lesavam os pobres, e estes odiavam aqueles.
Em muitas províncias as propriedades eram conservadas pelos
nobres, sendo as classes trabalhadoras apenas arrendatárias; acha-
vam-se à mercê dos proprietários e obrigados a sujeitar-se às suas
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exigências escorchantes. O encargo de sustentar tanto a Igreja como
o Estado recaía sobre as classes média e baixa, pesadamente one-
radas pelas autoridades civis e pelo clero. “O capricho dos nobres
arvorava-se em lei suprema; os lavradores e camponeses podiam pe-
recer de fome sem que isso comovesse os opressores. ... O povo era
obrigado a consultar sempre o interesse exclusivo do proprietário. A
vida dos trabalhadores agrícolas era de labuta incessante e miséria
sem alívio; suas queixas, se é que ousavam queixar-se, eram tratadas
com insolente desprezo. Os tribunais de justiça ouviam sempre ao
nobre de preferência ao camponês; os juízes aceitavam abertamente
o suborno, e o mais simples capricho da aristocracia tinha força de
lei, em virtude deste sistema de corrupção universal. Dos impostos
extorquidos do povo comum, pelos magnatas seculares de um lado
e pelo clero do outro, nem a metade sequer tinha acesso ao tesouro
real ou episcopal; o resto era desbaratado em condescendências
imorais. E os mesmos homens que assim empobreciam seus com-
patriotas, estavam isentos de impostos, e, pela lei e costumes, com
direitos a todos os cargos do Estado. Os membros das classes privi-
legiadas orçavam por uns cento e cinqüenta mil, e para a satisfação
delas, milhões estavam condenados a levar uma vida de degradação
irremediável.”
A corte achava-se entregue ao luxo e à libertinagem. Pouca
confiança existia entre o povo e os governantes. Prendia-se a todos
os atos do governo a suspeita de serem mal-interpretados e egoístas.
Durante mais de meio século antes do tempo da Revolução, o trono
foi ocupado por Luís XV que, mesmo naqueles maus tempos, se